Bem Vindo

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terça-feira, 3 de julho de 2007

Recensão Crítica

Título: “Cidade em Progresso”
Autor: Óscar Faria
Publicação: Jornal Público de 9 de Fevereiro de 2007, pp. 18-19
(http://jornalpublico.clix.pt/)


“Cidade em Progresso”, título escolhido pelo crítico Óscar Faria a propósito do projecto “Labirintite” que Ricardo Jacinto apresentou temporariamente no foyer da Casa da Música, no Porto, põe imediatamente em destaque um dos pressupostos de Walter Benjamin, o de considerar que uma das características que define a cidade moderna é precisamente a ausência de monumentos. E o termo “monumento” não é mais do que, e segundo designação do escultor Assis Rodrigues, “toda a obra que serve para comemorar ou conservar a lembrança dos homens ilustres ou dos grandes acontecimentos em que estes participaram, principalmente as obras de arquitectura e escultura”.


Mas não é o conceito de monumento que o crítico aqui quer realçar, pelo contrário, pretende acentuar positivamente, a partir de uma obra que habitou temporariamente um espaço público interior, a transfiguração de um espaço público mais amplo, como é o da avenida da Boavista, assemelhando-o a uma espécie de galeria a céu aberto, ainda que ironicamente circunscrito, nas duas extremidades, por dois “monumentos”.

As cidades parecem requerer cada vez mais as obras de conceituados artistas contemporâneos como forma de, através delas, reclamarem para si referenciais tão importantes como são os da modernidade. Esta artéria da cidade parece não ser excepção.

O número crescente e a importância deste tipo de manifestações artísticas parece justificar mesmo um programa de visitas como são, por exemplo, os “Passeios no Porto - Ciclo de Arte Pública” e que percorrem as obras mais significativas da contemporaneidade (de autores nacionais e estrangeiros) que se dispersam pelo espaço da Invicta, desde o projecto de Juan Munõz, instalado no jardim da Cordoaria, ao painel de azulejos “Ribeira Negra” de Júlio Resende; da “Plantoir” de Claes Oldenburg ao “Cubo” da Praça da Ribeira de José Rodrigues.

E se o edifício de Rem Koolhaas domina como a “primeira escultura” da Boavista, e que, como uma obra de “arte pública”, mantém, por contraste ou por ousadia, um diálogo muito particular com a envolvente, acolhendo no seu interior projectos efémeros capazes de provocar reiteradas tensões, o “Palácio” de Pedro Cabrita Reis, uma obra site specific, cumpre uma relação de complementaridade com o edifício a que se acopla. O mesmo parece estender-se à simbiose que a obra de Ângelo de Sousa mantém com o edifício “minimalista” de Souto Moura, que o crítico circunscreve inicialmente a uma função embelezadora do espaço envolvente.

Se no passado a presença de uma escultura era justificada no espaço público pela celebração de um acontecimento ou pelo carácter laudatório de uma figura ilustre, Óscar Faria levanta, aqui, precisamente como primeira questão a de saber o que justifica hoje a “necessidade” dos projectos de “arte pública”, nomeadamente aqueles que são reclamados por outras instituições ou áreas de intervenção que não as instituições culturais.

A presença das duas obras associadas a empreendimentos hoteleiros e imobiliários parece desencadeada por uma nova mentalidade urbanística que exige referências estéticas capazes de conferir, através da arte, uma identidade e, simultaneamente, a de ser capaz de provocar “novas leituras” desse espaço.

Mas o que importa realçar é precisamente a dimensão pública dos projectos, quer artísticos quer arquitectónicos, nomeadamente pela “perspectiva colectiva” que carregam. No seu artigo, Óscar Faria indaga directamente a questão do “social”, vertente que não pode ser descorada quando se fala de “arte pública”. E foi precisamente essa dimensão social do espaço público que terá levado, na década de 90, à acesa contestação de obras públicas como o “Monumento ao Empresário” de José Rodrigues.

A presença de manifestações artísticas que se impõem à vista do transeunte como uma “intromissão”, obrigam-no então a uma “reavaliação dos modos de percepcionar o espaço”, nomeadamente quando falamos das obras do exterior, uma vez que para percepcionar a “Labirintite” de Ricardo Jacinto implica entrar. Fora do espaço do museu a obra de “arte pública” não pode deixar de evitar o confronto directo e contínuo com um público mais global, na sua maioria não especializado.

No entanto, mais do que um confronto entre arte e público, entre arte e arquitectura envolvente, Óscar Faria apresenta o projecto de Cabrita Reis como um elemento apaziguador, capaz de conferir “unidade à cacofonia visual” que a diversidade de edifícios provoca; tal como a peça de Ângelo de Sousa é capaz de conferir dinâmica à rigidez de um edifício, complementando-o. Por outro lado, ao serem apresentados como conjuntos que se intrometem na paisagem urbana, criando com ela uma ruptura, geram, simultaneamente, um efeito inesperado.

Assim, um e outro parecem cumprir positivamente dois dos pressupostos subjacentes a um projecto de “arte pública”: o da necessidade e o da surpresa.

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